Quem pode dizer, com total certeza, o que seu filho anda fazendo pela Internet? Com quem ele conversa? O que ele diz? O drama "Confiar", segundo longa de David Schwimmer (o eterno Ross da série "Friends"), potencializa esses medos dos pais contemporâneos e extrai um comentário social bastante relevante sobre os tempos modernos.
A trama, assinada por Andy Bellin e Robert Festinger, começa com a jovem Annie (a ótima Liana Liberato) trocando mensagens no celular e no computador com um rapaz supostamente da mesma faixa etária, que usa o nome de Charlie (Chris Henry Coffey).
Quando completa 14 anos, ela ganha dos pais, Will (Clive Owen) e Lynn (Catherine Keener), um computador novo. Em suas conversar com Charlie, os dois descobrem que têm muito em comum. Mais do que isso, ele a compreende, com ele ela pode se abrir.
Annie está tão próxima e apegada a Charlie que não se importa quando o "garoto" confessa que é um pouquinho mais velho do que ela. Depois, revela que é um pouquinho mais velho do que já tinha dito. Quando ela pergunta por que ele fica mentindo, ele a conforta e acabam combinando de se encontrar. Não é nenhuma surpresa - para o público, mas é para Annie - que, quando finalmente se encontram num shopping, ele tem claramente bem mais de 30 anos.
Mesmo contrariada, Annie acaba caindo na conversa de Charlie, e o encontro acaba num hotel barato, onde ela é estuprada.
Esse é apenas o começo de "Confiar", que, dirigido com a mão rígida de Schwimmer, toma caminhos surpreendentes e corajosos. Ao centro, mais do que o drama de Annie e as consequências morais, emocionais e sociais do abuso, está o modo como a família da garota desmonta peça por peça.
A protagonista não é uma típica vitima de um predador sexual - uma garota tímida de família problemática e isolada na escola -, pelo contrário. Então, como algo desse porte acontece na vida de uma menina inteligente de classe média e com pais amorosos e atenciosos?
Não há explicações e, sagazmente, o filme as evita - Schwimmer está mais preocupado com as consequências. Enquanto Will culpa a filha e tenta passar por cima do FBI na investigação do caso, a mãe, Lynn, tenta proteger a garota, que se torna vítima de bullying na escola quando o caso vem à tona. A própria Annie, aliás, passa por uma espécie de Síndrome de Estocolmo - e está cada vez mais apaixonada por Charlie, batendo de frente especialmente com o pai, a quem ela diz "você ia gostar dele se o conhecesse", insistindo que é um "cara legal".
Annie não é, no fim, apenas vítima de sua inocência, mas da própria sociedade, que a culpa tanto quanto ao seu agressor. Quando toca em pontos como esse é que "Confiar" se transforma um filme mais relevante. Will ganha a solidariedade de um colega de trabalho, ao se abrir com ele e contar que sua filha fora violentada. No entanto, quando na sequência da conversa explica como o caso sucedeu (sem violência, na persuasão), o mesmo colega respira aliviado e diz: "Ufa, você me deu um susto. Achei que sua filha tinha sido estuprada".
A história vai mais longe quando coloca Will como uma espécie de predador também. Não no mesmo nível do agressor da sua filha, claro, mas que também se aproveita de jovens. Will é publicitário e trabalha na campanha de uma grife de roupa juvenil cuja propaganda explora de forma sensual corpos de adolescentes magricelos em poses pouco comportadas. Numa cena sintomática, ele passa mal diante de fotos gigantescas de meninos e meninas pouco mais velhos do que sua filha em trajes mínimos.
Schwimmer fez um grande filme ao discutir um assunto delicado de forma inteligente e instigante. O longa levanta várias questões, sem pretender oferecer soluções. Esse é um dos maiores méritos de "Confiar": joga a discussão para o público. Até porque não há respostas simples para um tema tão complexo.
(Alysson Oliveira, do Cineweb)
* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb
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